Comemora-se, a 20 de outubro, o Dia Mundial do Arquivista. A propósito, colocámos algumas questões a Paulo Veiga, CEO da EAD – Empresa de Arquivo de Documentação.

Pode contextualizar historicamente o papel do Arquivista?

Antes de responder à questão, penso que é importante clarificar afinal o que é a arquivística. Segundo a Wikipédia, arquivística ou arquivologia é uma ciência que estuda as funções e também os princípios e técnicas a serem observados durante a atuação de um arquivista sobre os arquivos.

A origem da arquivística ou do arquivista não é conhecida, eram os escribas que antigamente dominavam a escrita e, como tal, todas as funções de suporte ao reino, como as de contabilista, secretário, copista e arquivista. Poucas eram as pessoas alfabetizadas, por isso, quem tinha esse conhecimento possuía um poder destacado entre os demais.

Há duas primeiras obras de destaque sobre o assunto, do nobre alemão Jacob von Ramingen, impressa em 1571, com o título “Von der Registratur” (“O Registrador”). Por isso, para muitos, Ramingen pode ser considerado o pai da arquivística.

Atualmente não é bem assim. Quanto me perguntam o que faço, respondo que sou arquivista, algo que é dissuasor de conversas ou mesmo amizades. A verdade é que brilho da profissão só é mesmo conhecido por quem a pratica ou por quem dela precisa.

Somos nós que garantimos a organização, gestão da informação nos seus diferentes suportes, aplicando princípios e técnicas científicas na produção, organização, guarda, preservação, utilização e acesso aos arquivos.

A finalidade dos arquivos é servir as pessoas, constituindo-se, com o decorrer do tempo, na base do conhecimento da história. Ou seja, o arquivo nasce com fins administrativos, para atender às necessidades das instituições que o produz, mas pode adquirir, ao longo de sua trajetória, fins históricos. A função do arquivo é tornar disponível as informações contidas no acervo documental sob sua guarda, isto é, dar acesso a essas informações com agilidade.

Como é o Arquivista do século XXI?

Desde o início, os documentos foram criados para servir de prova de um determinado facto, atestando responsabilidades e como prova de direitos.
Importa referir que foi no século XIX que surgiram os primeiros manuais de arquivistas, que, ainda hoje, são como verdadeiras bíblias para os arquivistas modernos.
Contudo, a grande quantidade de documentos que se produz hoje em dia leva a que estes fundamentos tenham de ser reformulados e repensados tendo em conta o mundo moderno, nomeadamente quando nos referimos aos documentos nado-digitais (documentos que nascem já em formato digital), uma vez que as novas formas de produção documental e as novas tecnologias de informação apresentadas à sociedade têm levado os arquivistas a repensar o papel na chamada “era da informação”, assim como os princípios arquivísticos postulados nos manuais da área.

Nesse sentido, destacam-se os estudos realizados no Canadá, a partir do final da década de 80, quando um novo paradigma emerge, enunciado por Hugh Taylor. A partir daí, os arquivistas trabalham em direção à “redescoberta” do princípio da proveniência (onde o documento adquire o seu valor de acordo com a providência), que passa a ser virtual e dinâmico, focando a análise no processo de criação dos documentos e no principio da pertinência (o documento só tem valor junto a outros que lhe são pertinentes).
Assim, surgiram três abordagens distintas no final da década de 1980: a Arquivística Integrada, a Arquivística Pós-Moderna e a Diplomática Arquivística.
Hoje em dia, é fundamental pensar o arquivista como um membro de uma equipa interdisciplinar. Somos nós, com as nossas competências que temos de unir vontades, dar equilibro e fazer pontes para o desenvolvimento da proteção da memória coletiva.

O arquivista de hoje tem especiais competências ao nível da história, da gestão,  informática,  diplomática  (que tem a difícil tarefa de análise de autenticidade documental, com base em elementos formais dos documentos) e da codicologia (análise do livro manuscrito).

O que mudou em termos de formação e competências?

Os arquivistas, como noutras áreas do conhecimento, sofrem as influências do pensamento pós-moderno no estabelecimento da sua natureza, objeto e objetivo.
É importante ressalvar que, embora apresentem meios distintos, todas as abordagens científicas procuramos o mesmo fim: “garantir a organização do conhecimento da humanidade e a sustentação da disciplina num momento de ruturas paradigmáticas e inovações tecnológicas”.

Este é o contexto atual e desafiante que exige mais e melhor de nós. Hoje em dia competências de informática, preservação digital e proteção de dados pessoais, representam o novo horizonte de uma profissão empurrada pelos tempos para a modernidade.

Assim, o espetro do trabalho arquivístico é, hoje, muito maior e muito mais dinâmico. Por isso mesmo, existem atualmente inúmeras licenciaturas nas ciências da informação para ajudar na organização e tratamento destes novos documentos digitais ou gerir a imensa quantidade de informação em bases de dados.

Esta licenciaturas surgem em detrimento das pós-graduações e mestrados em arquivística, mas possibilitando uma especialização para o grau de licenciado o que deverá ter como consequência profissionais mais competentes.

Qual a importância da profissão na era digital?
É inegável que internet veio facilitar a comunicação e partilha de informação. As novas ferramentas introduzidas pela web 2.0 foram absorvidas não só pela sociedade civil, mas também pelas organizações privadas e públicas. Aplicações como o correio eletrónico, as novas ferramentas de trabalho colaborativo, as redes digitais e projetos como a implementação da gestão eletrónica têm impacto direto na gestão documental e na forma como devemos olhar para os arquivos.

No panorama atual da sociedade do conhecimento, a forte expressão na ubiquidade da Internet e a dependência tecnológica, novos desafios se colocam aos arquivos e aos arquivistas. O aumento da informação digital, suscetível de ser guardada em suportes cada vez mais diversificados e frágeis, capazes de armazenar quantidades fenomenais de dados, de extrema riqueza em fontes primárias, fidedignas, representa também uma oportunidade para os arquivistas, pois devem reificar-se a si próprios e às suas relações com organismos produtores, caso contrário, perdemos todos.

Termino com uma citação interessante neste dia:
“Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.
Emília Viotti da Costa.

(in https://www.dopapel.com/index.php/reportagens-e-entrevistas/3598-o-que-e-um-arquivista-e-qual-a-sua-importancia)