O CEO e fundador da Empresa de Arquivo de Documentação conta como a desmaterialização é uma realidade transversal a todos os segmentos do mercado e explica o protocolo celebrado com a OA. Com mais 3 mil documentos jurídicos digitalizados, a longo prazo vê a inteligência artificial como um dos pilares fundamentais na era do big data.
O mundo que conhecemos nos dias de hoje não é o mesmo que há 20 ou 30 anos. Todos os setores de atividade necessitam de evoluir e de se adaptar à nova era digital. Só em 2018, a Empresa de Arquivo de Documentação (EAD) digitalizou mais de 30 milhões de páginas, conta Paulo Veiga.

A empresa pioneira na gestão documental em Portugal está presente em território nacional e prepara-se para abrir uma filial em Bucareste, Roménia. Em 2016, assinou com a Ordem dos Advogados (OA) um protocolo que pretende desmaterializar o setor jurídico.

Há 26 anos fundou a EAD. De onde surgiu a ideia de fundar em Portugal a primeira empresa deste setor?
A ideia surgiu, essencialmente, de querer trabalhar por conta própria, pois em 1992, ao terminar a minha licenciatura, percebi que com uma média final de 12 valores teria de fazer o meu próprio caminho profissional. Assim, após um estágio promovido pela AIESEC e o ISEG [Instituto
Superior de Economia e Gestão] que realizei em Madrid, resolvi juntamente com dois colegas de curso e um professor criar a EAD. Iniciámos a atividade com o serviço de depósito de arquivos, que acaba por ser a vertente mais simples da gestão documental, no âmbito da qual organizamos a documentação de empresas e organizações, que depois transferimos para os nossos armazéns que estão situados na periferia de Lisboa, onde o custo dos terrenos é bastante mais económico, assim gerando uma mais-valia para a estrutura de custos das empresas.

Como foi o crescimento da EAD?
Passo a passo fomos crescendo sustentadamente e, hoje em dia, para além de sermos líderes na área em que atuamos, fomos sempre apostando na inovação, absorvendo o melhor que a tecnologia nos proporcionava e apostando noutro tipo de serviços, alargando o negócio, bem
como a área geográfica de implantação, que abrange atualmente a totalidade do país, incluindo as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Temos um portfólio de serviços abrangente, que possibilitam soluções verticais, como a que oferecemos à OA, e end-to-end, podendo o cliente, com a nossa ajuda, passar a dispor de uma gestão documental de excelência.

Qual é o número aproximado de clientes e colaboradores que a empresa possui?
Temos mais de 1.000 clientes ativos de todas as áreas de atividade, banca, seguros, telcos, utilities, escritórios de advogados, de todas as regiões de Portugal. Todos são importantes, sejam os clientes mais pequenos ou de maior dimensão. Quanto aos colaboradores, atualmente somos mais de 160.
As empresas em Portugal estão preparadas para a desmaterialização?

Têm de estar, não há outro caminho. Atualmente, tornou-se claro que as empresas com maior probabilidade de sobrevivência são as que melhor e mais rapidamente se adaptam às mudanças e este é o século de todos os desafios para os empresários. Eis mais um. É urgente colocarem as suas empresas na era digital, seja qual for o produto ou serviço que comercializam.

Não se trata de uma opção, mas sim de uma obrigação. Entrando nas atividades do dia a dia, existem todas as questões relacionadas com o mundo do papel, que é ainda o rei em termos de prova e abunda nos dossiers dos clientes. É verdade que já foi mais, mas ainda é fundamental em caso de dúdúvida ou prova, como muito bem sabemos. Chegados a este ponto, é importante referir que as organizações devem possuir um sistema de gestão documental, que não é um ecrã cheio de ficheiros e shortcuts. Aliás, deveria ser proibido gravar no ambiente de trabalho. Há, desde logo, locais próprios, até com diretorias pré–definidas para colocar esses documentos de trabalho.

Em que consiste a gestão documental?
É importante relembrar que a gestão documental empresarial é muito mais do que digitalizar documentos, para dispor de uma maior amplitude de trabalho. A gestão documental consiste em controlar/rastrear totalmente a documentação da organização de uma forma intuitiva e segura. Abrange ferramentas de digitalização, classificação inteligente, indexação, visualização, distribuição segura e controlada e eliminação no final de vida dos documentos. É um processo complexo para o qual a existência de um software apropriado é fundamental. É também a mudança deste paradigma que coloca as empresas em alerta para uma das mais importantes buzzwords da atualidade, a transformação digital.

A transformação digital é então uma realidade para as empresas?
A transformação digital é a mudança dos processos de suporte e de negócio da organização, utilizando para o efeito tecnologia para melhorar o desempenho, aumentar o alcance e garantir resultados melhores. É uma mudança estrutural nas organizações, por vezes disruptiva, onde
as TI [tecnologias de informação] desempenham um papel fundamental. Na era da transformação digital, apenas as empresas que adotem estratégias disruptivas na sua estrutura, cultura e processos, tornar-se-ão competitivas no mercado global.

Em fevereiro de 2016, a EAD assinou um protocolo de colaboração com a OA. Em que consiste esse protocolo?
Como este protocolo, todos os advogados que nos procurem têm desde logo um diagnóstico dos seus sistemas de gestão documental e da sua maturidade digital. Isto permite desenhar soluções eficientes a custos muito controlados e que permitam um melhor serviço aos seus clientes.

Quais são as ferramentas que os profissionais do setor jurídico podem beneficiar com a assinatura do protocolo?
Podem usufruir de condições vantajosas no acesso às soluções que a EAD disponibiliza, com reduções significativas nos valores aplicados e, em alguns casos, oferta dos serviços de implementação/análise. Sejam eles de custódia dos seus arquivos, serviços de digitalização ou implementação de software de gestão documental numa lógica de SaaS (software as a service) sem investimento associado e com workflows processuais desenhados à medida das suas necessidades.

Em que consistem as sessões de formação que têm realizado ao longo dos anos aos profissionais da área?
No Funchal, com a secção regional da OA, temos realizado sessões de formação para assistentes forenses, no sentido de os dotar de conhecimentos e ferramentas para que dominem os conceitos mínimos da arquivística e dessa forma garantem um total controlo, físico e digital, dos documentos e processos.

A EAD digitalizou, aproximadamente, quantos documentos jurídicos desde o início do protocolo até ao momento?
Desde 2016, já digitalizámos mais de 3.000.000 documentos jurídicos. O número pode parecer elevado, mais muito pouco para o volume de documentação que acreditamos ser produzido diariamente pelos diferentes intervenientes. A título de exemplo podemos referir que só em 2018, a EAD digitalizou de todos os seus clientes mais de 30 milhões de páginas.

Qual é o balanço que faz após três anos de colaboração com a OA?
Esta parceria foi realizada com enorme entusiasmo, quer da direção da OA, quer da EAD. Todos sentimos que, apesar das inovações tecnológicas, os associados ainda vivem num mundo de papel ou com soluções de desmaterialização muito incipientes. Aliás, a própria OA é nossa cliente, tendo a EAD ao longo destes anos apoiado-a em alguns projetos significativos e importantes para a sua estrutura e organização, ao nível das soluções de transformação digital. Mas, como em todas as relações pessoais ou profissionais, é preciso alimentar as mesmas e é isso que pretendemos fazer com a atual direção da OA. Contribuir decisivamente para servir melhor os seus associados, especialmente os jovens advogados e pequenos gabinetes que têm um acesso mais difícil às novas tecnologias, pelos custos que necessariamente implicam investimentos e que são de alguma monta.

Prevê um crescimento da empresa no setor jurídico?
Sim, não só através da visibilidade que o protocolo nos tem dado junto dos seus associados, mas também noutras áreas colaterais, onde temos vindo a reforçar a nossa presença e a propor parcerias similares (Ordem dos Notários, Agentes de Execução, administradores de insolvências) que acabam por ter documentação, também ela de conteúdo jurídico/legal e requerendo igual tratamento.

Quais as perspetivas/estratégias para a gestão documental no setor jurídico no futuro?
Os desafios dos profissionais da advocacia são imensos em todos os seus ramos. O oceano turbulento da lei, com alterações constantes, muitas vezes passível de interpretações distintas, as exigências dos clientes e a importância do compliance legal e fiscal, colocam uma pressão nunca antes vista na profissão. Portanto, a pergunta é como podem os jovens advogados ou os escritórios mais pequenos competir com armas iguais perante as grandes estruturas e as multinacionais? A resposta não é simples, mas também não é negativa.

Existem soluções que podem passar pela especialização em determinados ramos ou, talvez a mais importante, usar as ferramentas de Inteligência Artificial (IA) que começam as surgir. Aliás esta é uma área onde temos vindo a trabalhar, tendo especificamente em atenção a patente urgência dos advogados se preparem para os novos desafios resultantes do recurso a ferramentas de machine learning e de IA, propriamente dita. A inteligência humana tem de ser libertada para o que mais importa, em termos de análise e criatividade, por forma a que os advogados possam prestar aos seus clientes o melhor e mais próximo serviço. Estou em crer que a IA é um dos pilares fundamentais para que tal volte a ser possível, na era do big data.

 

(in https://eco.sapo.pt/2019/10/04/o-que-vai-mudar-na-justica-advocatus-ja-esta-nas-bancas/)