Vendemo-nos ao mundo como um país moderno, próspero e inovador, mas por trás do cenário encantador esconde-se um país onde a burocracia asfixia toda a gente.

Era uma vez um pequeno país à beira-mar plantado, onde tudo e todos viviam numa profunda ilusão de felicidade. Imaginem um filme ou uma peça de teatro, mas com final trágico, onde a encenação supera a realidade. Bem-vindos a Portugal, tal qual aldeia gaulesa no meio do império romano.

Somos os campeões da ilusão, mestres do desenrascanço e peritos em fazer de conta. Mas até quando poderemos sustentar esta peça de teatro?

Reparem que neste jogo de ilusões, o discurso oficial e a realidade raramente se encontram. Vendemo-nos ao mundo como um país moderno, próspero e inovador, mas por trás do cenário encantador esconde-se um país onde a burocracia asfixia toda a gente, desde os trabalhadores , às empresas e aos empreendedores. Todos amam o seu país, mas todos fugiriam à primeira oportunidade.

Faz de conta que é fácil ter uma empresa em Portugal
O Governo gaba-se dos programas de incentivo, dos fundos europeus e das reformas para “simplificar” a vida dos empresários. Mas qualquer empreendedor que tenha tentado abrir e gerir um negócio em Portugal sabe bem que tudo isto não passa de uma ilusão bem montada.

Criam-se “balcões únicos”, “plataformas digitais” e “medidas de simplificação”. No papel, tudo parece ágil, moderno e eficiente. Na prática, continuamos reféns de processos morosos, papeladas intermináveis e funcionários públicos que juram que “o sistema foi abaixo”. Fazemos de conta que tudo está acessível, mas experimentem abrir um negócio e verão o labirinto que vos espera.

Abrir uma empresa pode ser rápido, mas mantê-la viva é um verdadeiro pesadelo burocrático. Entre impostos excessivos, legislação confusa e um sistema que favorece as grandes empresas em detrimento das pequenas e médias, Portugal continua a ser um dos países menos competitivos da Europa. O Estado exige tudo das empresas, mas dá-lhes pouco em troca.

Pagar impostos (muitos) é obrigatório, mas receber apoio ou um simples reembolso do IVA pode demorar uma eternidade. Fazemos de conta que somos um país amigo do empreendedorismo, mas cada vez mais negócios fecham portas, antes sequer de terem hipótese de crescer.

Faz de conta que os trabalhadores têm qualidade de vida
Os políticos falam de aumentos salariais, mas a verdade é que o salário médio continua baixo quando comparado com o custo de vida. Casas a preços impossíveis, bens essenciais a valores de luxo e uma carga fiscal que rouba qualquer esperança de poupança.

Os trabalhadores portugueses são dos mais produtivos da Europa, mas continuam a ser dos mais mal pagos. Vive-se para trabalhar e não se trabalha para viver. O conceito de meritocracia é uma miragem: promoções são escassas, a progressão na carreira é lenta e a cultura do “desenrasca” e do “aguenta mais um bocadinho” faz com que muitos acabem por desistir e emigrar. Fazemos de conta que oferecemos um futuro digno aos nossos profissionais, mas a fuga de cérebros é prova de que a realidade é outra.

Faz de conta que os médicos têm condições para cuidar de nós
Portugal forma alguns dos melhores médicos do mundo, mas não lhes dá condições para ficar. Hospitais sem recursos, urgências colapsadas, turnos desumanos e salários que não refletem o esforço e a responsabilidade que carregam.

Enquanto isso, o setor privado cresce à custa do declínio do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Médicos e enfermeiros exaustos acabam por abandonar o público para procurar melhores condições em clínicas privadas ou no estrangeiro. Fazemos de conta que temos um sistema de saúde robusto, mas a verdade é que quem não tem dinheiro para consultas privadas fica refém de listas de espera intermináveis e de hospitais onde a falta de pessoal compromete a qualidade dos cuidados.

Faz de conta que a justiça é célere e imparcial
Os casos mediáticos arrastam-se durante anos, os poderosos raramente pagam pelos seus crimes e o cidadão comum vê-se preso numa teia de leis que favorecem quem pode pagar os melhores advogados. Fazemos de conta que somos um Estado de Direito, mas temos cada vez mais casos de impunidade.

Faz de conta que a corrupção é exceção
De tempos a tempos, um escândalo surge, choca o país e enche telejornais. Indignamo-nos, debatemos, exigimos justiça… até que o tempo passa e tudo volta ao normal. O polvo da corrupção continua a estender os seus tentáculos por autarquias, empresas públicas e fundos europeus. Fazemos de conta que somos um país transparente, mas a opacidade continua a reinar.

Em conclusão, já chega de teatro
Viver no “faz de conta” não nos leva a lado nenhum. Portugal é um país lindo, com uma geografia invejável, tem talento, tem potencial, tem pessoas extraordinárias. Mas enquanto continuarmos a fingir que tudo está bem, perderemos os nossos melhores recursos – as empresas que fecham, os trabalhadores que emigram, os médicos que desistem.

Para quando um pacto de regime, onde todos, verdadeiramente unidos, remem para o mesmo lado?

Talvez já não no meu tempo. Portanto, como com as mentiras repetidas, é preciso escrever a realidade, como ela é, na esperança que algo mude, não precisa de ser tudo ao mesmo tempo, mas é preciso saber por onde começar.

Está na hora de trocar a encenação pela ação. Neste teatro, o público já percebeu que o cenário é frágil e que os atores não acreditam no próprio guião.

É tempo de mudar, porque a porção mágica do Druida Panoramix está a acabar.

(in https://observador.pt/opiniao/portugal-um-pais-do-faz-de-conta/)