Estamos a poucas semanas das eleições e o conceito de Good Governance tem sido amplamente debatido. Mas esta trendy word não está apenas alocada ao domínio político ou governativo. Na esfera corporativa é também um must da agenda estratégica há já alguns anos, e tem ganho protagonismo nos últimos tempos. Mas será que é um conceito de adorno ou um princípio ativo?
A Good Governance é um pouco como a arbitragem. As regras são claras, mas estão sujeitas a interpretação e ajustes. Na sua essência, a Boa Governação engloba um conjunto de princípios, delineados por organizações como o Banco Mundial e as Nações Unidas, destinados a fomentar a tomada de decisões eficazes, a promover o Estado de direito, a proteger os direitos humanos e a assegurar uma distribuição equitativa dos recursos. Incluem a transparência, a responsabilidade, a participação e a equidade. No papel, estes princípios pintam uma imagem idílica da governação, em que os líderes agem no melhor interesse dos seus constituintes e as instituições funcionam com integridade e justiça. Os atuais discursos políticos, nacionais e internacionais, pincelam tudo isto na perfeição. Mas serão aplicáveis?
As eleições, sejam políticas, desportivas ou de qualquer outra natureza tendem a agitar as águas e a trazer à superfície realidades que minam os princípios da boa governação. Corrupção endémica, estruturas de poder entrincheiradas, desigualdades sociais e económicas, impunidade seletiva, políticas de benefícios movidos por interesses que contrastam com regras e obrigações globais criadas em nome do bem comum. Estas são variáveis que minam tudo o que sustenta a Good Governance e que transformam os princípios em slogans vazios e dão origem a posturas mais extremistas e de punição, populistas nas palavras de muitos.
Então a Good Governance é uma mentira, ou foi apenas um conceito criado à frente do seu tempo?
O fosso entre a teoria e a realidade realça a necessidade de uma compreensão mais matizada da governação, que reconheça as complexidades das dinâmicas sociais, políticas e económicas, ou seja, os ideais de boa governação podem ter de se adaptar às restrições pragmáticas do mundo real para serem eficazes.
Além disso, a busca da Boa Governação deve ser contextualizada dentro de desafios estruturais mais amplos, incluindo legados históricos, globalização e políticas atuais. Em vez de sucumbirmos ao cinismo, devemos reconhecer estes desafios como oportunidades de reflexão e reforma. Não se trata de um ideal inatingível, mas envolve um esforço de reconhecimento das complexidades inerentes à governação e de um trabalho de criação de sistemas mais inclusivos, participativos e responsáveis que reflitam as diversas realidades do mundo.
Este tema pode assumir contornos mais políticos, numa fase pré-eleitoral, mas as realidades corporativas não são mais que microuniversos governativos com problemas e desafios que refletem os da esfera pública – apenas muda o contexto. A governação empresarial, tradicionalmente centrada na maximização do valor para os acionistas, está a ser cada vez mais redefinida para abranger interesses mais amplos das partes interessadas, incluindo trabalhadores, clientes e comunidades. Mais do que novas políticas de gestão, isto obriga à mudança de algo tremendamente difícil – a cultura de gestão empresarial, ou se quisermos, o abandono do histórico “trono chefe”, que é tão ou mais difícil que a cadeira política.
Nas empresas, persistem as disparidades salariais, as oportunidades de promoção e a representação, perpetuando as desigualdades e dificultando os esforços para promover processos de tomada de decisão inclusivos. Além disso, a influência do lobby corporativo, a captura regulatória e as práticas financeiras opacas minam os princípios de transparência e responsabilidade, corroendo a confiança na liderança e nas instituições corporativas.
CEO da EAD
(in O enigma da “good governance”: teoria vs. realidade (sapo.pt))