Como diz o meu advogado, não existe formalmente na lei portuguesa, em termos societários, a figura do CEO – chief executive officer -, existem, sim, figuras tais como o administrador-delegado ou o presidente da comissão executiva, sendo certo que, aliás, no direito societário português não há, sequer, a distinção entre administrador executivo e não executivo.
No entanto, na prática é fundamental identificar aquele que, na sociedade, efetivamente executa e reporta de acordo com a estratégia e indicações dos acionistas, que nos habituamos por herança anglo-saxónica a denominar vulgarmente como CEO. Estas sigla é agora famosa e adotada pelos principais grupos económicos, vindo ainda acompanhadas pelas de CFO, COO e assim por diante.
Creio que não incorro numa inverdade se disser que quase todos os profissionais, em determinado ponto da sua carreira, ambicionam a uma posição de liderança, de chefia, de topo. Nada contra, antes pelo contrário. Por natureza, somos ambiciosos e devemos trabalhar para atingir os nossos objetivos. No entanto, é curioso verificarmos que, muitas vezes, essas ditas pessoas ambiciosas, que veem estes cargos e responsabilidades de baixo para cima, veem mais os benefícios e privilégios desses cargos do que as responsabilidades e ónus que implicam. Falo por mim, pelo meu cargo de CEO e, provavelmente, em nome dos meus pares. A cadeira que ocupo é, certamente, muito cobiçada e admirada, pelo lado “cor-de-rosa” do cargo, i. e., pela exposição pública, pelo networking, pelos alegados privilégios que possa ter associados, pelos muitos “amigos” que dela decorrem., mas esquecem-se de que carrego o peso da crítica imediata e contínua, do exame e julgamento imediato e fácil, potenciado pelas redes digitais e pela informação (e desinformação) reinante.
Todos os dias carrego o peso das minhas decisões, muitas delas solitárias e a maior parte decisivas e irreversíveis. Por muito boa que seja a equipa, e é, por muitos bons advisors que tenhamos, sobretudo, na área legal, financeira e de tecnologias da informação, por muitas reuniões que se façam, por muitas estratégias que se abordem, quando chega o momento das grandes decisões, aquelas que impactam na companhia, por mais conselhos e relatórios que tenhamos ouvido e lido, a decisão é solitária e intransferível.
Registem também que o facto de o CEO ser o eventual detentor do capital da empresa não torna a função mais fácil, antes pelo contrário: a capacidade de trocar de chapéu tem de existir, o chapéu do detentor do capital só tem de ser usado uma vez por ano, na assembleia geral anual.
É fantástico, não é? É assim este cargo, não me queixo, não são lamúrias, são factos com os quais todos os líderes têm de saber lidar. Não sendo detentor do capital, a responsabilidade de outros colaboradores é para com o cumprimento da estratégia, e, muitas vezes nós, líderes, contribuímos para a mesma.
De forma a diminuir a solidão do cargo, é importante ter uma estrutura forte, empenhada e competente.
Gerir pessoas e para as pessoas mudou muito nos últimos 30 anos, desde logo pelas diferentes gerações presentes no mercado de trabalho – hoje existem cinco gerações a trabalhar em conjunto, algo nunca antes visto -, pela tecnologia e pelos mercados.
Não sou o mesmo empreendedor que fui quando a empresa tinha só um funcionário. Estar próximo de uma equipa de quase 400 pessoas, saber que eu é que trabalho para todos eles e que o meu tempo a eles pertence ajuda a ter uma estrutura que contribui e faz avançar. Sou um gestor que tem de aprender com todos, todos os dias, e avaliar muito bem as decisões que tomo, porque o sucesso resulta em quem menos erra e cada decisão implica sempre com clientes, fornecedores e com os nossos trabalhadores.
Sou CEO há 29 anos e, desde sempre, fomento a confiança, a delegação de tarefas, a decisão, a proximidade. Ainda (digo ainda porque haverá um momento onde tal será impossível, talvez quando tiver mais de 1000 trabalhadores…) mantenho uma liderança de proximidade que me permite criar laços emotivos, que me possibilitam valorizar a integridade, a honestidade, a capacidade de influenciar e motivar os outros. A verdade é que somos amigos. As relações pautadas por esta confiança são muito mais fortes e genuínas, o que me permite, muitas vezes, tomar decisões (as tais, por vezes, solitárias) mais “facilmente” ou pelo menos de forma mais segura. É um caminho que cada CEO pode e deve fazer, sob pena de viver ainda mais na solidão.
Não esqueçamos, ainda, que o mundo empresarial só existe com base no sigilo. Os negócios só avançam se soubermos falar na altura certa, com as palavras certas. Qualquer passo em falso pode comprometer grandes investimentos, grandes avanços. Esta pressão, responsabilidade e adrenalina fazem parte da função de CEO. É uma cadeira constantemente quente e que, muitas vezes, não pode ser partilhada com ninguém, uma vez que há temas que não podem ser divulgados, quer pela sua abrangência e importância, quer por a sua revelação poder parecer fator de insegurança.
Finalmente, esta reflexão, também ela solitária, fez-me pensar no discurso (já muito partilhado nas redes sociais) que o CEO do Google, Sundar Pichai, fez: “Imagina que a vida é um jogo de cinco bolas que tu manipulas no ar tentando não deixar cair essas bolas. Uma delas é de borracha e as restantes são de vidro. As cinco bolas são: trabalho, família, saúde, amigos e alma. Não vai demorar muito para que percebas que o trabalho é a bola de borracha. Sempre que a deixares cair ela vai voltar novamente, enquanto as outras bolas são feitas de vidro. Se uma delas cair, não voltará à sua forma anterior. Essa bola ficará danificada, rachada ou até mesmo em estilhaços.”
Se transcrevi este discurso foi porque ele me fez parar para pensar. A vida que temos é tão acelerada que, muitas vezes, invertemos as prioridades e perdemos a perceção da importância das “bolas de vidro”, nomeadamente da nossa família. Muito haveria por dizer sobre esta inversão de prioridades, mas deixo-a para outra reflexão. Apenas confirmo que a família é, de facto, o nosso pilar, o nosso refúgio e, muitas vezes, são eles que fazem mentoria, pois ouvem-nos nas tomadas de decisão que precisamos de alcançar.
Quantas vezes não se socorreu da sua família para desabafar, para ouvir uma opinião de quem está fora do seu círculo empresarial, i. e., ouvir uma opinião “out-of-the-box”? Então porque deixamos que ela seja, tão frequentemente, uma bola de vidro? A solução está no equilíbrio que tem de encontrar, mas esse é um caminho que tem de percorrer, sozinho.
Ainda assim, apesar da solidão que por vezes sinto, inerente à minha posição, tenho muito orgulho em ocupar esta cadeira. Sinto-me realizado. Sinto que crio valor para um país e uma comunidade que se pretende cada vez melhor e mais saudável.
Sou, por vezes, um solitário (nas minhas decisões), mas sempre feliz e, sobretudo, faço os que me rodeiam felizes. Há melhor equilíbrio? A minha cadeira não balança.
Paulo Veiga, Chief enthusiastic officer
(in https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/a-solitaria-cadeira-de-um-ceo-14862313.html)