Já existem ilhas de plástico a flutuar nos oceanos. Esta é já a dimensão do problema. O alerta é ainda mais relevante uma vez que a fragmentação põe em causa a sobrevivência de espécies, que os ingerem pensando ser alimento. Até agora, todas as iniciativas foram apenas “uma gota no oceano”.

Há tanto plástico nas águas internacionais que é difícil calcular a dimensão exata do problema. Os números conhecidos apontam para que, todos os anos, entrem nos oceanos entre 4,8 e 12,7 milhões de toneladas de plástico (macroplástico + microplástico), segundo um estudo publicado pela revista Science em 2015. No entanto, alerta Nuno Barros, especialista em oceanos e pescas na Associação Natureza Portugal (ANP|WWF), temos de ter em atenção que os “dados são estimativas de 2010, tendo a produção de plástico vindo a aumentar ao longo da década passada”. O ambientalista acrescenta que há outras fontes que sugerem que existem a flutuar nos oceanos mais de 5 mil milhões de partículas de plástico, pesando no total mais de 250 toneladas.

Mesmo não conseguindo saber, com exatidão, a dimensão do problema, há que ter consciência de que o que chega às praias e linha de costa é apenas uma pequena parte do problema. “A maioria dos plásticos no oceano encontra-se fragmentada e dispersa pelo fundo e coluna de água, viajando por todo o oceano global através das correntes, não conhecendo fronteiras. Foi encontrado plástico desde as zonas mais prístinas do gelo Ártico à Fossa das Marianas, o ponto mais fundo da superfície do planeta, abaixo dos 11 km de profundidade”, afirma Nuno Barros. Já Susana Fonseca, membro da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, refere que é importante “compreender as suas origens e é ainda mais importante para que possamos agir na fonte, sendo que a fonte é, em larga medida, a descartabilidade com que vivemos na nossa sociedade, seja de embalagens, seja de têxteis, seja de produtos vários do nosso dia a dia”.

Consequências na vida marinha e humana
As reais consequências dos plásticos (e microplásticos) na vida marinha e humana ainda não são totalmente conhecidas. Esta é a opinião de Susana Fonseca, que refere que “existe a necessidade de continuar a investigar as interações que a omnipresença dos plásticos, quer no ambiente, quer nos oceanos, pode ter para a vida”. No entanto, acrescenta, o que já se sabe é motivo suficiente para deixar os especialistas preocupados.

Veja-se o caso dos microplásticos. Segundo a ambientalista da ZERO, estes contêm muitas vezes substâncias químicas perigosas e, dada a sua dimensão, rapidamente podem entrar na cadeia alimentar. “Mesmo não sabendo ainda tudo o que seria necessário para conseguirmos avaliar de forma plena os impactos na nossa saúde e no ambiente, o facto é que estamos a introduzir no ambiente quantidades enormes de materiais que não é suposto lá estarem, muitos deles contendo substâncias perigosas e que podem entrar na cadeia alimentar.” Por isso, “deveríamos evitar ao máximo o uso destes materiais e procurar minimizar a sua entrada no ambiente”.

Nuno Barros dá dados mais específicos: “Estima-se que cerca de 80% deste plástico tenha origem em terra e na negligência humana e na deficiente gestão de resíduos. Vento, chuva e rios serão os principais vetores de entrada de plástico no oceano a partir de terra.” Outra possibilidade, acrescenta, são artes de pesca abandonadas ou perdidas. Porque, refere, “as artes de pesca à deriva podem continuar a pescar em controlo (pesca fantasma) e acabar por enredar animais de maiores dimensões como cetáceos, tubarões e tartarugas-marinhas. “Estas são sempre imagens impressionantes que mexem com a opinião pública, ainda que não existam estudos que quantifiquem o impacto com exatidão.” E, como consequência, gera estes diferentes tipos de partículas de plástico e seus componentes químicos, que entram na cadeia alimentar por bioacumulação. Sem esquecer o caso das “aves marinhas, que ingerem plástico por o confundirem com alimento e o passam às crias quando chegam a terra, muitas vezes de forma fatal para estas”.

No caso dos humanos o impacto é ligeiramente diferente. Por um lado, já se provou que pode acontecer estarmos a alimentarmo-nos de animais que têm no seu interior microplásticos. É o caso de alguns peixes, por exemplo. No entanto, Nuno Barros refere que “apesar dos vários estudos desenvolvidos demonstrarem a presença de microplásticos em espécies aquáticas, existem ainda muitas questões em aberto, lacunas no conhecimento e incertezas em relação aos seus impactos diretos na saúde humana”.

O principal problema deriva do seu processo de fragmentação oceânica. Como refere o especialista da ANP WWF, os microplásticos não só libertam para o meio marinho todo o tipo de componentes químicos que estiveram envolvidos na sua produção, como agregam e acumulam contaminantes já existentes na água, como pesticidas e agroquímicos.

Soluções à vista?
A pouco e pouco, os mercados, nomeadamente a União Europeia, têm levado a cabo todo um conjunto de iniciativas no sentido de desincentivar a utilização do plástico, nomeadamente o de utilização única. Mas isso é suficiente? O que poderemos fazer para, pelo menos, tentar atenuar o problema? Nuno Barros refere que já existem iniciativas de economia circular que apostam, por exemplo, na recolha e upcycling (processo criativo de dar um novo uso a materiais) de matérias de pesca descartadas ou em fim de vida para fabrico de artesanato, roupa e calçado. Mas o especialista alerta para o facto de isso, por si só, não ser suficiente. “Apenas estancando a hemorragia se terá um impacto significativo a médio prazo.” Ou seja, “é preciso abandonar o paradigma do descartável, travar a poluição marinha nas suas fontes em terra e abraçar a reutilização e redução, com toda a economia que este novo paradigma trará a nível de tecnologia e emprego”.

Visão que vai ao encontro da opinião de Susana Fonseca, que defende que “para fechar a torneira teremos de promover mudanças estruturais, com legislação e incentivos e/ou penalizações”. A ambientalista vai mais longe e afirma que é necessário dar “um passo muito significativo para reduzir a descartabilidade – isto porque substituir plástico por outros materiais, mas manter a descartabilidade é essencialmente mais do mesmo e acabará por criar novos problemas – e aumentar a durabilidade dos produtos para que possam ser usados durante mais tempo, possam ser reparados, possam ter novas vidas em segunda mão e que possam ser reciclados no final da sua vida”.

Ambientalista da ANP WWF
E em relação ao que já está no mar? Sobre isso Susana Fonseca defende que “é importante procurar recolher, mas o fundamental é mesmo travar a entrada das tais 4,8 a 12,7 milhões de toneladas de plástico”. Nos últimos anos têm surgido projetos-piloto com o intuito de conseguir recuperar os plásticos nos oceanos ou dar-lhes um novo uso. Embora a ZERO reconheça que os mesmos são “muito interessantes”, defende que “o mais importante é fechar a torneira que alimenta diariamente esse fluir tóxico para os nossos oceanos de materiais que não deveriam lá estar”. Nuno Barros é da mesma opinião, mas o especialista vai mais longe: é urgente um esforço concertado entre governos, empresas e cidadãos no sentido de mudar o paradigma de desperdício que atualmente se vive. É por isso que a associação defende que as empresas devem responsabilizar-se pelo erro de design que é o lixo plástico descartável, implementando novamente uma lógica de redução e reutilização. “O plástico é um material com valor, que potenciou inúmeros avanços, por exemplo, médicos e tecnológicos. É preciso voltar a dar-lhe valor e não o considerar algo garantido e gratuito a que todos temos direito, inclusive o de o negligenciar e descartar”, refere Nuno Barros.

Mas esta mudança passa essencialmente por uma mudança de cultura, de fazer negócio. E que só será conseguida com uma “ajudinha” política. “Cabe aos governos legislarem nesse sentido, apertarem a malha aos produtores e apostarem forte na economia circular. E cabe aos cidadãos responsabilizarem os dois últimos atores, e não descurarem o papel que podem ter no seu dia a dia como consumidores, por facilitismo ou inércia”, constata o ambientalista da ANP WWF.

Transformar o plástico em crude
Entre os vários projetos existentes, há um especialmente interessante. Segundo João Bordado, investigador e professor no Instituto Superior Técnico, uma possível solução para os plásticos já existentes nos oceanos – e que está já a ser testada em laboratório – passa por analisar as correntes e determinar os pontos de acumulação. Onde estes se congregam e formam “ilhas”. E pôr nesses pontos um navio equipado com uma instalação que faça a despolimerização catalítica do plástico e o converta em combustível. Ou seja, com a infraestrutura capaz de transformar um resíduo – o plástico – em combustível, através de um processo de liquefação. O resultado final seria depois encaminhado para uma refinaria para se transformar em combustível. Um processo com duas vantagens – retirava os plásticos dos oceanos e conseguia uma nova fonte de energia – com a adicionante de, rapidamente, se obter o ROI (Retorno sobre Investimento) do mesmo – tudo aponta para uma recuperação do investimento em quatro a cinco anos.

(In – Jornal de Negócios)