Neste mundo em permanente mudança os profissionais da contabilidade também enfrentam enormes desafios. O uso das ferramentas digitais, novos modelos de negócio, as constantes alterações legislativas e a digitalização, são exemplo disso.

Atualmente, as empresas exigem e precisam muito mais dos seus contabilistas. Precisam de verdadeiros parceiros que forneçam informação de gestão, com qualidade e em tempo útil, isto é, ajudem verdadeiramente ao planeamento das suas atividades, com identificação de recursos e resultados esperados.

Na minha vida profissional de 26 anos como empresário, sempre tive bons contabilistas ao meu lado, muito aprendi e aprendo com eles e acima de tudo, muito lhes devo. O que mudou foi a exigência de reporting, motivada pelo crescimento da empresa e pelas constantes mudanças da lei.

Na minha opinião, os contabilistas certificados, são um dos pilares para o sucesso das organizações, senão vejam, quantos negócios com potencial não tiveram sucesso porque o dinheiro acabou ou o financiamento não foi obtido ou o foi, mas em condições que conduziram a empresa a uma asfixia na tesouraria?

Quantos negócios sofrem com atrasos de pagamento de clientes porque os gestores não foram diligentes ou alertados em tempo útil nessa atividade?

Quantas empresas foram alvo de coimas ou inspeções pela autoridade tributárias, resultado de uma atitude leviana e incauta destes profissionais, porque infelizmente muitos de nós esquecemos que o Estado é sócio de todas as empresas, mas é um sócio com características únicas. Por um lado, só vem buscar uma importante fatia dos lucros, por outro muda as regras do jogo tributário anualmente em orçamento de Estado, ou a meio do mês, como me lembro uma vez quando alterou as taxas do IVA.

Por isso mesmo, a formação contínua destes profissionais e uma ordem forte, presente e ativa são fundamentais.

Depois, entrando nas atividades do dia a dia, existem todas as questões relacionadas com o mundo do papel, que é ainda o rei em termos de prova e abunda nos dossiers da contabilidade. É verdade que já foi mais, mas ainda é fundamental em caso de dúvida ou prova.

Como sabem, todas as empresas produzem e recebem documentos. Os documentos são o testemunho dos atos destas organizações. Devem ser organizados e mantidos de acordo com muitos referenciais, como sejam os códigos do IVA, código das sociedades comerciais e o SNC para os documentos da contabilidade que precisam ser tratados/classificados, estando associados a circuitos documentais, por vezes complexos, que gera custos de alguma dimensão e exige um olhar atento das áreas financeiras.

Então como devem os contabilistas tratar o papel?

A resposta simplista e direta é: as organizações devem tratar do papel bem! Tão bem quanto tratam o resto dos seus assuntos.

Excluindo as empresas produtoras de papel, as celuloses, onde o produto final é o papel, todas as outras usam-no como um suporte de informação ou elemento de prova.

Quer dizer, o papel, por si, pouco vale, mas quando nele registamos dados que, coligidos, são informação, aí sim, esse “papel” começa a ter um valor tangível para a organização.

Nas organizações, os colaboradores ainda assentam muitas das suas funções ou tarefas em documentos em suporte “papel” – sim, é verdade, não há, ainda, desmaterialização legalmente aceite que nos permita usarmos meios eletrónicos para registar as nossas atividades. Claro que o Estado está bastante interessado no assunto, tendo inclusive no IRS de 2017 imposto uma entrega única por meios eletrónicos, foram mais de 280 mil famílias que ficam desde já obrigadas a essa alteração, portanto, o direito a sermos infoexcluídos foi negado, pelo menos quanto aos impostos.

Estou mesmo a ver, por essas aldeias perdidas, os mais idosos nas juntas de freguesia a dizerem, ao fim de submeterem a declaração: “Está tudo bem, mas dê-me o papel para guardar lá em casa, se faz favor”.

Depois há todas as outras questões culturais e históricas: a verdade é que nós gostamos do papel, do cheiro, da facilidade de leitura, que proporciona sublinhar as partes mais importantes, colocar notas em documentos, etc.

Existe, também, uma ideia errada transmitida pelos media e as grandes empresas, que é enviarem a correspondência por correio digital, alegando responsabilidade ambiental: nada mais errado. Essas empresas querem é reduzir os custos de correio, nada mais. O que, efetivamente, destrói a floresta é a indústria do mobiliário. Lembrem-se, também, de que o papel é dos poucos resíduos da atividade humana que é reciclado, várias vezes, a 100%.

Em conclusão, atire a primeira pedra quem nunca passou por um susto à procura do tal “papel” que teimava em não aparecer, ou pela alegria quando o encontrou. Isto leva-nos a pensar: “Afinal, estou safo, bem sabia que tinha feito isto e estava bem!”
Isto leva-nos à necessidade de todos os que têm, essencialmente, funções administrativas associadas à contabilidade, possuírem conhecimentos de arquivística, como ordenar documentos, como os classificar e relacioná-los entre si. não é mais nem menos do que gestão de documentos arquivísticos.

Trata-se de um procedimento fundamental na vida de uma empresa pública ou privada. Para tomar decisões, recuperar a informação e preservar a memória institucional é preciso estabelecer um conjunto de práticas que garanta a organização e preservação dos arquivos, mas isso é outra história e ficará para uma próxima oportunidade.

Chegados a este ponto, é importante, referir que as empresas devem possuir um sistema de gestão documental. A sobrevivência num mercado altamente competitivo faz-se por pequenos detalhes, diferenciadores para os clientes e de eficiência para as empresas. É neste último que a gestão documental tem uma palavra a dar.

Gestão documental não é um ecrã cheio de ficheiros e shortcuts, aliás, deveria ser proibido gravar no ambiente de trabalho. Há, desde logo, locais próprios, até com diretorias pré-definidas para colocar esses documentos de trabalho.

A gestão documental é um processo administrativo cada vez mais importante em qualquer empresa, sendo essencial ao bom desempenho de uma instituição e um reflexo da sua organização interna. A existência de grandes volumes de informação, tanto oriundos do exterior como internos, torna fácil a perda de documentos, aumenta a dificuldade em aceder rapidamente à informação e à sua localização digital e física e dificulta o controlo dos fluxos de informação.

A gestão documental não é só a digitalização, que se intensifica dia após dia, como bem sabemos pelas nossas próprias caixas de correio digital. Quantas cartas recebemos ou emitimos em papel? É, também, a mudança deste paradigma que coloca as empresas em alerta para uma das mais importantes buzz words da atualidade, a Transformação Digital, mas isso será abordado na parte final do artigo.

É importante reforçar que a gestão documental empresarial é muito mais do que digitalizar os documentos para dispor de uma maior amplitude de trabalho. Consiste em controlar/rastrear totalmente a documentação da sua empresa de uma forma intuitiva e segura. Abrange ferramentas de digitalização, classificação inteligente, indexação, visualização, distribuição segura e controlada e eliminação no final de vida dos documentos. É um processo complexo para o qual a existência de um software apropriado é fundamental.

A solução adotada por uma empresa onde a gestão documental reúna os requisitos supra é naturalmente uma solução fiável e, portanto, segura. Se temos dúvidas, devemos pensar nos serviços ou produtos que comercializamos, identificar pontos de controlo nas diversas etapas e validar se a nossa gestão documental responde em conformidade, isto é, com qualidade e em tempo útil, garantido rastreabilidade total de todas as etapas.

Este tema é agora ainda mais importante, não apenas pelas questões supra, mas porque a 25 Maio entrou em vigor o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), Regulamento (UE) n.º 2016/679 relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Este regulamento é uma medida essencial para reforçar os direitos fundamentais dos cidadãos na era digital e facilitar a atividade comercial através da simplificação das normas aplicáveis às empresas no mercado único digital.

Nas empresas, a existência de uma solução de gestão documental robusta e segura vai permitir um grau de compliance que evitará riscos de incumprimento nesta e em outras matérias.

É preciso lembrar que para fazer uma boa venda a um cliente é sempre mandatório fazer uma compra ainda melhor. Quero com isto dizer que a eficiência começa dentro de casa e as empresas devem organizar as suas atividades core ou de suporte em processos de negócio, os chamados workflows. Esses processos devem ter indicadores de performance, identificação de pontos críticos, entre outros. Esta é uma das formas para as empresas, efetivamente, controlarem o produto que fabricam ou o serviço que prestam.

Os processos devem estar documentados e, quanto melhor a descrição das atividades que constituem os processos de uma organização, maior será a eficiência e eficácia.

A Transformação Digital é a mudança dos processos de suporte e de negócio da organização, utilizando para o efeito tecnologia para melhorar o desempenho, aumentar o alcance e garantir resultados melhores. É uma mudança estrutural nas organizações, por vezes disruptiva, onde as TI desempenham um papel fundamental.

Na Era da Transformação Digital, apenas as empresas que adotem estratégias disruptivas na sua estrutura, cultura e processos, se tornarão competitivas no mercado global.

Atualmente, tornou-se claro que as empresas com maior probabilidade de sobrevivência são as que melhor e mais rapidamente se adaptam às mudanças e este é o século de todos os desafios para os empresários, eis mais um. É urgente colocarem as suas empresas na era digital, seja qual for o produto ou serviço que vendem. Não se trata de uma opção, mas sim de uma obrigação.

Terá de ser essa gestão de topo a definir uma estratégia de transformação na estrutura documental, na cultura e processos a criar. Para tal é preciso dedicação, conhecimento e ponderação para avançar por etapas, medir resultados e corrigir.

Estamos a falar de uma mudança abrangente, que necessita de uma liderança forte, com capacidade de decisão e com acesso aos recursos para implementação de uma estratégia.

Se a organização de topo não estiver envolvida, a transformação dificilmente será bem-sucedida.

Se a gestão de topo ou a própria empresa não tiver consciência da sua maturidade digital, mais erros irão acontecer. Deixo aqui alguns para conhecimento.

O primeiro erro a evitar – provavelmente o maior risco de todos e muitas vezes cometido pelas organizações – é não ter a gestão de topo devidamente envolvida no processo, pelas razões supra identificadas.

Outro erro comum é pensar que a Transformação Digital é apenas uma mudança tecnológica ou a utilização de tecnologia para alterar os processos. É necessário entender que também a mentalidade e cultura enraizada na organização necessitam de uma vasta transformação. Não é incomum, por desconhecimento ou conformismo, a resistência à mudança neste tipo de transformação.

Por outro lado, na componente tecnológica, é necessário adequar a infraestrutura informática, quer com meios materiais quer sobretudo com a qualificação profissional dos recursos humanos.

É comum nas organizações serem feitos avultados investimentos nas ferramentas, enquanto a capacitação das equipas que as vão utilizar fica, muitas vezes, esquecida – nunca descurar o facto de que o maior valor de uma empresa é o capital humano.

Nem tudo é tecnologia, nem necessita de o ser, mas como peça fulcral do processo a mesma tem de estar bem dimensionada.

Outro fator que leva ao insucesso dos processos de Transformação Digital são os longos prazos de implementação. Nos tempos que correm, é inviável pensar numa transformação que demore vários anos a ser implementada. Projetos megalómanos, normalmente, não resultam e a Transformação Digital tem de ser encarada como um processo de melhoria contínua, preferencialmente recheada de quick wins.

Por fim, um conselho: antes de iniciar qualquer processo de Transformação Digital faça uma auditoria aos processos de gestão documental da sua empresa. Descubra o que já está a ser feito e o que necessita de ser melhorado para que os novos processos sejam implementados à medida do seu negócio.

Se um processo destes correr bem, isso irá trazer benefícios para a empresa e refletir-se-á na sua forma de estar no mercado, mais clara, justa e eficiente para clientes, parceiros e colaboradores.

Lembre-se não é preciso sair a correr à frente, o importante é saber a direção para onde correr!

Paulo Veiga, economista, pós-graduado em ciências documentais. Fundador e Ceo da EAD – Empresa de Arquivo de Documentação

(in, pág. 55, Revista Contabilista)