Sempre que escrevo sobre este assunto, defendo que a transformação digital é o correto uso da tecnologia para potenciar, de forma significativa, a performance das empresas por meio da mudança, por vezes disruptiva, da forma como executa os processos de suporte e negócio.

Quero com isto salientar que a transformação digital não é unicamente uma mudança tecnológica, ainda que seja o pilar mais importante: vai muito mais além, como seja na infraestrutura, organização, liderança e num foco renovado na completa experiência dos seus clientes/utentes, recursos humanos e fornecedores. Como se deve imaginar, as novidades tecnológicas não devem desvalorizar as necessidades de preparação, comunicação e formação de pessoas na organização.

“A transformação digital no setor da saúde é um processo contínuo que visa a criação de um novo ecossistema de informação e valor, com novas oportunidades para o desenvolvimento da qualidade e uma melhor utilização dos recursos, devendo estar alinhado, não só a nível nacional, como também com as melhores práticas europeias e iniciativas transfronteiriças.” (fonte: SPMS – site).

Neste particular, o setor da saúde tem vindo a ser caraterizado por algumas mudanças

Relativamente aos doentes, os dados e informação sobre doentes é recolhida através de uma vasta quantidade de sistemas de TIC e de equipamentos médicos. Assim, o tratamento moderno de doentes está fortemente dependente de dados e de informação, que precisam ser partilhados para outros sistemas que não o tratamento direto dos mesmos. Tal poderá aconter, por exemplos, para investigação. Com essa informação e conjuntamente com analítica, Big Data e sistemas cognitivos para permitir novos regimes de tratamento e novos modelos de negócio.

Quero com isto salientar que estamos a sair de uma saúde tradicional, one-to-one, onde o médico interage com o paciente, para uma saúde populacional, onde é fundamental ter dados e informação suficientes para, em seguida, atingir uma saúde personalizada e preditiva. Em termos do que para as pessoas é relevante, estamos a mudar de um modelo centrado no hospital para um modelo de mais cuidado de transição, cuidado em casa, nas empresas e em outros locais, segundas linhas de apoio curativo.

Além disso, estamos a mudar de um modelo de saúde hierárquico e assimétrico, em termos de informação, para um modelo de coordenação de cuidado, visando a parceria entre todos os stakeholders. Trata-se de uma forte mudança do setor, diria mesmo estrutural e, portanto, a mais difícil.

Por outro lado, é um setor com elevadas assimetrias, sendo que do lado dos pacientes, os maiores utilizadores, até por questões geracionais, são infoexcluídos, mas não só, também existem entidades, hospitais e afins totalmente offline!

Estamos bastante melhor do que há 10 anos, mas temos que analisar sob alguns ângulos. O primeiro passo é digitalizar e tornar essa prática numa cultura. Para os mais avançados, existe um esforço na construção de um mindset digital. Tem de existir um papel cada vez mais ativo do lado do paciente na sua própria saúde e não estou a falar do doutor Google.

Existem regras de relacionamento diferente para cada fase dos cuidados de saúde. O paciente doente é um grupo totalmente diferente, apesar de eles se mostrarem mais preocupados com a sua saúde, isso não significa que seja mais fácil reunir a informação para os tratar! Já o paciente saudável é um desafio para a instituição e para o médico. Talvez a solução deva passar por políticas de incentivo para o utente, questões que, por serem reguladas legalmente, têm mais dificuldade em passar, algo que as medidas do Simplex + Saúde têm vindo a colmatar.

Neste particular, existem vários exemplos bem-sucedidos e já consolidados no SNS que promovem a aproximação dos utentes, um deles – e talvez o mais famoso – é a Receita Sem Papel (RSP), com benefícios claros para todos. É um sistema seguro e, portanto, menos favorável a comportamentos inapropriados, porque, por um lado, os agentes sabem que o controlo é poderoso e porque os instrumentos de deteção precoce permitem combater a fraude.

Outro exemplo é a TeleSaúde: a sua dinamização, em particular das teleconsultas, tem vindo a ser realizada através da criação de condições necessárias e muitos dos postos de trabalho de Unidades Locais de Saúde (ULS) já foram equipados com webcam e microfone. destaca-se o desenvolvimento de áreas como a Telepatologia, a Teledermatologia, a Telenutrição ou os Telecuidados, e a Via Verde do AVC, onde a TeleSaúde já é utilizada como instrumento na triagem e referenciação para tratamento adequado, evitando tempos de espera e contribuindo para a diminuição da mortalidade.

Os resultados poderão ser bons, mas estará a relação medico/paciente a ficar desumanizada? O futuro o dirá.

Como principais ameaças a este processo temos a Cibersegurança que não é específica do setor da saúde, contudo, a informação em saúde é vital para os cidadãos. Gradualmente, tem sido alterado o paradigma de comportamento face às medidas para garantir a segurança da informação (até pela implementação do novo RGPD) e cada vez mais são implementadas medidas para reforçar a segurança dos Sistemas de Informação, mas os problemas existem e são transversais, incluindo o setor privado, como vimos no verão de 2018.

Faltam ainda infraestruturas robustas, redes rápidas e hardware apropriado, e competências profissionais, que são imprescindíveis para que esta mudança se concretize em segurança como desejamos e para que todos possam confiar nos sistemas implementados.

Em conclusão, este novo mundo é desafiante e cheio de oportunidades, pelo que as administrações de topo têm de perceber estes novos tempos, o que os clientes e utentes desejam e como. Têm de ir pulverizando na organização a cultura digital, introduzindo-a em todas as agendas da organização, acompanhando e monitorizando de forma sistemática todo o processo de mudança.

Não é suficiente sair à frente, para vencer é preciso correr na direção certa!

Bem-vindos à Transformação Digital.

Paulo Veiga, CEO da EAD – Empresa de Arquivo de Documentação